CATADORES / SCAVENGERS

excerpted from CATADORES
by Quintan Ana Wikswo

translated into Portuguese by Rafael Liebich

  

one.

Whispering, whispering. All is whispering, and so still.
All the feet are covered in velvet.
All the fingers are dipped in fat.
The bats now kill in silence.
For the ones with lips and tongues, all is whispering.

Sussurrar, sussurar. Tudo é sussurrar, e tão calmo.
Todos os pés estão cobertos por veludo.
Todos os dedos imersos em gordura.
Os morcegos agora matam em silêncio.
Para aqueles com lábios e línguas, tudo é sussurrar.

In the streams, the frogs
are the only ones now to disobey.
Their throats creak with it,
that voice that does not know constriction.

Nos riachos, os sapos são agora
os únicos a desobedecer.
Suas gargantas rangem com a sua desobediência,
esta voz que não conhece restrição.

All winter they have been frozen in the water.
The streams and ponds.
The lakes. Where water dwells, they turn to statues.
Disincarnate.
They are the stone reptiles and then afterwards they move.

They know no constriction.  They sound, and resound.
Whereas with all others, the feet are covered in velvet.
The fingers one by one are dipped in fat,
so as to make not a sound in working.

Todo o inverno estiveram congelados na água.
Riachos e charcos. Lagos.
Onde água habita, tornam-se estátuas.
Desencarnados.
Eles são os répteis em pedra e depois movem-se.

Eles não conhecem restrição. Eles soam, e ressoam.
Ao passo que com todos os outros, os pés estão cobertos por veludo.
Os dedos um a um estão imersos em gordura,
para que não façam nenhum som ao trabalharem.

 

two.

To eat soft cheese, and suck on lemon balm, and take naps.
This is all that remains to me.

The cherry trees, still with green nipples on the branches.
The blackbirds are sucking on every limb.
Their beaks glow yellow: the color of old cheese,
which reminds me of hunger and the desire for lemon balm.

Comer requeijão, sorver bálsamo de limão, e fazer sestas.
Isso é tudo o que me resta.

As cerejeiras, ainda com pequenos mamilos em seus galhos.
Os melros sugando em todos ramos.
Seus bicos brilham amarelos: cor de queijo antigo,
que me faz lembrar a fome e desejo de bálsamo de limão.

This kind of consecration has gone on for days,
according to the Capitularies of Charlemagne,
who called upon this sweet green plant magic for the convents.

Este tipo de consagração durava dias,
de acordo com os capitulários Carolíngeos,
que convocaram a magia desta doce planta verde para os conventos.

 

three.

The honeybee
the pure form of the human soul.
Plump and soft, alight in a whispering blur.

Apiastrum for the bites of mad dogs.
The venom of low beasts.
The edge of the sword that has inflicted a wound.

A abelha,
a forma pura da alma humana.
Arredondada e macia,
acesa num borrão sussurrante.

Apiastro para as mordidelas de cães enraivecidos.
O veneno de bestas rastejantes.
A ponta de uma espada que infligiu uma ferida.

 

We have here balm from the bee hive –
pollen, wax, the stirring of wings, honey, queens.

Temos aqui bálsamo da colméia –
pólen, cera, o agitar das asas, mel, rainhas.

This hive of cloister, white against my wounds.
Some languid flutter from the wimpled wings above my head.

Their nectar an extraction of rare events within this sacred space,
titrated like an antidote into my drinking water,
into my body wrecked in other rooms.

Esta colméia de clausura, branca contra minhas feridas.
Um agitar lânguido das asas como um véu sobre a minha cabeça.

 O seu néctar um extrato de raros eventos neste espaço sagrado,
titulado como um antídoto na minha água,
no meu corpo destroçado noutros quartos, numa torre, longe daqui.

 

The wings mesmerize in a lazy way.
All is whispering, whispering, and velvet gloves.

As asas hipnotizam de um modo preguiçoso.
Tudo é sussurrar, sussurrar, e luvas de veludo.

 

four.

 

In all the glasses, candles –
as though it is now possible to drink the light.

 

Em todos os copos de vidro, velas –
como se agora fosse possível beber a luz.